A ideia de voltar
Ver InfoA ideia de voltar
Exposição individual na Galeria Quadrado Azul, Lisboa, Portugal
12 de Maio a 31 de Julho 2022
Imagens por James Newitt e Bruno Lopes
Texto que acompanhou a exposição por João Silvério
da posição no espaço como uma medida do tempo
“A ideia de voltar” é uma exposição que pode ser entendida como um ensaio sobre a pintura enquanto questionamento do gesto, e assim do corpo, em dois momentos sequenciais: na sua precedência e na sua ausência. Luísa Jacinto confronta-nos com superfícies, meios, e dispositivos que, sem pretender inventariar os mecanismos da percepção, desenvolvem diferentes relações visuais no espaço e no tempo a que o observador é sujeito, em presença das obras. O título, de matriz poética e literária, remete para uma ideia de transitoriedade como momento especulativo, e assim dialético, que se desdobra entre a possibilidade e a memória. “A ideia de voltar” revela-se também sob um posicionamento mais introspectivo, na esteira das suas experiências formais e conceptuais mais recentes, como na exposição que realizou em Madrid sob o título “A manhã não vai ser diferente da noite”. Tanto no título da presente exposição como no da anterior, a ideia de tempo remete para um indefinido desejo de um provável regresso, correspondendo-se com a indiferenciada replicação da manhã e do ocaso aludindo a um estado psicológico subjectivo, transitório, porventura hipotético, mas assumidamente ficcional.
Neste processo existe um procedimento que contrapõe, sem proceder a uma oposição, o gesto que desenha e assenta as matérias pictóricas na construção de uma equilibrada paleta cromática a um varrimento mecânico que desconstrói a espessura da pintura sobre tela de algodão em ecrãs translúcidos, como véus que recebem a imagem sem que o gesto confirme o seu assentamento. Esses ecrãs, como janelas, parecem transitar, passar por diante do olhar do observador como se este estivesse numa cápsula do tempo, ainda que por um breve momento, frente à superfície da pintura ou através desta no desdobramento do espaço onde nos encontramos. Assim, a exposição é construída numa relação dialógica que compreende a arquitectura do espaço, uma prática que o trabalho da artista tem examinado em instalações com obras que tendem para uma assunção escultórica, e que nesta exposição regressam ao formato da superfície rectangular, ao quadro estrutural sobre o qual se engrada a tela de algodão numa relação enquanto suporte da imagem pintada. Ou não, pois uma parte das obras expostas é montada numa espécie de bastidor em aço inox que permite ao observador atravessar o suporte, na medida em que a sua condição material é, por um lado, próxima de uma emulsão fotográfica, e por outro suficientemente diáfana para proceder a um novo enquadramento no campo do ecrã. Tanto a parede de fundo como, num acto mais radical, o espaço da sala, transformam-se em intervalos visuais, como uma multiplicidade de imagens em movimento num movimento perpétuo.
Neste contexto, em que o corpo observador é sujeito a uma dúvida sobre a aparente diversidade de planos e de imagens, umas presentes nas pinturas sobre tela mais densas e marcadas pelo movimento da mão e outras simultaneamente em acordo com essa paleta cromática que se corresponde em todas as obras. Uma ideia de pintura, em suspensão, funde-se com o seu oposto para revelar um falso tardoz, obnubilando na experiência do observador o paradoxo da transição translúcida: na frente da matriz ou no seu verso?
Sob este aspecto, Luísa Jacinto joga com o corpo do observador e com as condições de possibilidade da sua percepção, desenhando no espaço da galeria uma outra arquitectura, que não pretende conduzir o observador no seu espaço, propondo-nos antes de qualquer movimento uma reconfiguração da noção de tempo medido, sob um perspectiva fenomenológica que, no seu limite, se aproxima intermitentemente de um estado de apneia, por entre as pinturas de paisagens e todas as imagens possíveis que percorrem os ecrãs. A sua instalação é geradora de um movimento aparente no espaço da sala, revelado ainda subtis indícios do modo de fazer, da sua construção, como finas cesuras brancas que oscilam na sua modulação cinética. Como uma ideia, ou um registo, da sua condição anterior.
João Silvério