Entrevista por Ana Cachola
Entrevista por Ana Cristina Cachola
5/5: 5 artists, 5 project rooms, 2017
Ana: Trabalhas em vários media, contudo o teu trabalho ainda é muito identificado com a pintura. Parece-te que hoje ainda faz sentido sublinhar este uso de diferentes suportes? O meio ainda é a mensagem na obra de arte?
Luísa: Acho que o meio faz sempre parte da mensagem (uma pintura pode ser sobre várias coisas, mas é sempre sobre pintura). Nas coisas que faço, é exactamente a fricção/tensão entre o conteúdo e as potencialidades expressivas do suporte o que tenho de resolver. Trabalho com vários media, “in the post-medium condition” como dizia a Rosalind Krauss. A pintura é um meio de trabalho frequente, mas também vídeo, instalação, som, desenho, colagens, etc. Ora vou atrás do que me atrai num determinado medium (para o perceber, explorar, esticar – a mim e ao suporte) ora o escolho de antemão porque julgo que o que quero fazer se resolve melhor de determinada maneira.
Ana: No teu trabalho existe uma referência titular continuada a acções (Falling, A ler, Procurar ou mesmo Acção). Achas que a criação artística é sempre mais performativa que representativa (mesmo quando se trata de pintura)?
Luísa: Dar títulos às coisas que faço dá-me muito gozo e faz parte integrante do meu trabalho. Pode ser uma maneira de sublinhar a performatividade de uma obra, e isto funciona em pintura como em qualquer media. Um título que é um verbo é algo que faz sentido para mim em muitas peças. Já há muito tempo que, ao ler um texto de que gosto, por vezes torno a lê-lo atentando apenas aos verbos, na sequência em que aparecem no texto, com um vagar que os deixe reverberar por si. Para mim é um exercício de abertura e divagação poderoso. Acho que está relacionado com isto, com um certo amor aos verbos, ao propósito de acção, a um movimento resoluto. Acho que a arte é essa moeda de duas faces – performativa e representativa. O observador é o performer de que a obra realmente necessita.
Ana: A relação entre espaço expositivo e obra de arte mantém-se na narrativa dos estudos artísticos há largas décadas, mesmo quando se observa um vazio ideológico nos usos dados ao conceito de Site-specific (relembre-se Richard Serra “To remove the work is to destroy the work”). O trabalho que vais apresentar nesta exposição é um site-specific ou um work in space, outro título que utilizas várias vezes (e que me parece muito pertinente para descrever a relação obra-lugar na produção contemporânea)?
Luísa: Creio que o observador recebe sempre o trabalho como esse work in space. A montagem é um novo trabalho sobre o trabalho feito, e o observador só tem acesso a essa fusão entre trabalho e lugar, na montagem que é, afinal, a “exposição”. Não tenho uma relação pacífica com isto. Mas sei que a separação do trabalho e do espaço é, para quem vê, apenas possível como uma abstracção posterior à experiência.
O trabalho que vou apresentar é site-specific, foi pensado para este contexto concreto. A Luísa Santos e os alunos convidaram-me a pensar uma intervenção para o hall de entrada da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Não é um espaço expositivo tradicional, é um lugar de afluência e passagem contínua de pessoas, com sinalética, equipamentos mobiliários e uma arquitectura muito particulares, para os quais pensei uma peça de raiz.
Ana: De que modo o espaço onde apresentas esta obra influenciou a sua produção e em que medida esta obra estará no futuro dependente desse espaço?
Luísa: Este espaço – físico e académico – e o convite à produção foram o pretexto para a peça surgir. No entanto, estou convencida de que esta peça sobrevive em contextos diferentes – o que obra faz é sinalizar o lugar onde está como um sítio específico, ontológico também– de onde nunca me afastei muito, por isso não creio que haja esse perigo de dependência da origem.
Ana: A obra de arte produz conhecimento?
Luísa: É uma possibilidade e um desejo. A obra de arte pode produzir uma experiência que, quando recebida com atenção e disponibilidade, tem a capacidade de criar um conhecimento enraizado na experiência do observador em primeira mão, na sua participação sensorial, na sua literacia visual, no seu engajamento hermenêutico. Não falo de um conhecimento científico-positivista, mas de experiências que podem ser tão significativas e profundas que movam (latim movo, -ere, pôr-se em movimento, e lá estou eu a voltar aos verbos),que marquem um antes e um depois, uma mudança na vida de alguém. Se se pode chamar a essa experiência conhecimento? Sim, conhecer por dentro.