Podemos sempre fugir de carro
Ver InfoPodemos sempre fugir de carro
exposição individual na Fundação Portuguesa das Comunicações, em parceria com a Galeria Bessa Pereira
curadoria de Sérgio Fazenda Rodrigues
(Podemos sempre fugir de carro)
Entre a aresta e a nuvem há um limite que se esbate. Na fronteira entre o compartimento e a paisagem, ou entre o que se constrói e o que se manifesta, há um campo que se pode nomear. Um campo ténue, de equilíbrio e sedução, entre a vontade de reter, ou enquadrar, e o anseio de se deixar ir, ou contemplar.
O trabalho de Luísa Jacinto incide nesse campo e das pinturas mais pequenas, onde a figura se concentra, às pinturas maiores, onde a imagem se expande, surge algo que nos alicia a olhar.
Nas obras mais pequenas trabalha-se uma convergência que pede a proximidade do observador. A pintura inscreve-se a meio do suporte, é potenciada pelo vazio que a circunda e as imagens remetem-nos para uma figuração de ambientes, pessoas e casas, que aparecem como fragmentos de um filme, ou como focos específicos de algo maior.
Nas obras de maior dimensão trabalha-se uma ideia de passagem, gerindo a imagem de um espaço interior, que nos acolhe, e a força de um espaço exterior, que nos chama. Questionando a dimensão e o limite do que se vê, a figura desvanece-se, o contorno perde clareza, e a imagem gravita na proximidade da abstração. Neste processo, a pintura envolve-nos e deixa-nos atentos. Aqui, a nossa proximidade já não advém uma visão focalizada, como nas pinturas mais pequenas, mas sim de uma visão periférica, procurando aquilo que está para lá do contorno e da superfície.
Nas pinturas de Luísa Jacinto, o que responde a um olhar penetrante é uma imagem pequena, próxima de um fotograma de cinema, onde a extensão é intuída lateralmente, num tempo de sequências. O que responde a um olhar alargado é uma imagem grande, de carácter atmosférico, onde a extensão se advinha em profundidade, num tempo que se sustém.
O espaço reporta-se ao que a imagem induz e ao que a imagem reclama. O que a imagem induz é ora o lugar de uma potencial narrativa, ora um assumido campo aberto. O que a imagem reclama é ora um fundo que a encaixa e limita, ora o recorte tridimensional da sala de exposições, que a expande e liberta.
Luísa Jacinto trabalha uma ideia de complementaridade, na dimensão, no tempo e no espaço. Com isso, a artista promove um olhar sobre algo incerto, que ainda não se conhece, mas que se está a anunciar. Em todas as obras estamos perante um excerto - o que vemos é, apenas, parte de uma outra coisa.
Verdadeiramente curioso é perceber que todo esse mistério, de uma existência maior, seja ela em forma de história, acontecimento, ou local, reporta-se a uma possível geografia do nosso imaginário. Um ter- ritório árido, por vezes escuro, por vezes nublado, onde a velocidade parece ser lenta e a temperatura quente. Algures para Oeste, onde podemos sempre fugir de carro, mas onde o limite estará sempre para lá do fim do caminho.
Sérgio Fazenda Rodrigues
© todas as imagens: João Ferro Martins